Geração Distribuída de 0 a 5 MW

April 14, 2020 | Categoria: Energy

Não bastasse a regulação da geração distribuída (GD) ser tema complexo, opiniões e movimentos politizaram o debate nos últimos tempos. Quando a discussão deixa de ser técnica, é importante ancorar-se outra vez aos fundamentos. Enquanto o Congresso não aprova proposta de lei do setor e a ANEEL não publica nova versão da Resolução 482 (REN 482) nem suspende seu processo de revisão, aproveitamos o intervalo para revisitar as usinas de GD sob o ponto de vista de marcos de potência. Já parou para pensar nos efeitos jurídicos que o tamanho da usina gera para o projeto?

Toda GD nos moldes da REN 482 deve se conectar à rede elétrica. O processo se inicia com a “solicitação de acesso” perante a distribuidora de energia local, que emite um “parecer de acesso” e, após vistoria das instalações concluídas, permite a “conexão” efetiva à malha. No mercado de GD de menor escala (casas e pequenos comércios), o processo de conexão usualmente é movimentado pelo instalador da usina. A partir de 10 kW de potência (como algumas poucas dezenas de placas solares no telhado, suficientes para abastecer uma grande casa), a conexão se torna ligeiramente mais complexa e passa a incluir projetos elétricos das instalações.

Até 75 kW de potência (uma piscina semi-olímpica coberta por módulos solares, suficiente para abastecer um quarteirão com 50 casas), distribuidoras normalmente são obrigadas a receber “microgeradores” em suas redes sem custo adicional. Passando tal limite, os “minigeradores” devem pagar pelo sistema de medição e podem ter de pagar parte dos custos de extensão ou reforço da malha elétrica necessários para receber a nova produção. Cuidado – se a usina estiver muito distante de uma subestação e/ou a capacidade do fio na região já estiver no limite, os custos de extensão/reforço podem inviabilizar o projeto. Além disso, o processo de conexão novamente se torna um pouco mais complexo, passando a envolver prazos mais longos e documentos adicionais a serem entregues à distribuidora, incluindo o cronograma de implantação e expansão da usina.

Construída, conectada e gerando energia, toda usina é ainda assim uma “unidade consumidora” aos olhos da ANEEL e da distribuidora – mesmo que a usina de geração remota, por exemplo, não consuma energia da rede ou tenha consumo insignificante. Ser unidade consumidora implica na cobrança de consumo mínimo a título de custo de disponibilidade da conexão, tal como acontece com consumidores residenciais e pequenos consumidores comerciais conectados em baixa tensão. Se o consumo efetivo de energia exceder o custo mínimo de disponibilidade, paga-se a tarifa única volumétrica calculada com base em tal consumo. Passando 112,5 kW de potência (meio campo de futebol em placas solares, suficiente para um grande supermercado), porém, o minigerador provavelmente deixa de pagar tarifa volumétrica baseada em consumo (com custo mínimo de disponibilidade); sua tarifa se torna “binômia”, dividida em “energia consumida” e “demanda contratada”. A demanda contratada funciona como espécie de franquia de utilização do fio, uma faixa permitida para consumo ou injeção de energia na rede. Deve-se ter cuidado para dimensionar a demanda contratada corretamente; excedidos os limites, o gerador pode ter de pagar pesadas taxas de “ultrapassagem” e rever sua franquia.

Mesmo com o dimensionamento adequado de potência, demanda e carga, é natural que a usina produza mais energia do que seu titular consome em determinados momentos do dia. Toda “energia excedente” assim gerada é injetada na rede da distribuidora e gera “créditos de energia” para o seu titular. Como eletricidade é considerada um produto, seu consumo – efetivo ou em créditos de energia – é tributado pelo ICMS do estado consumidor. Para usinas de até 1 MW (parte do telhado da ANEEL em Brasília coberto por módulos solares, suficiente para abastecer os maiores shoppings centers), porém, a parcela do consumo em créditos de energia é isenta de ICMS; ultrapassada tal potência, perde-se a isenção em todos os estados da federação exceto por energia solar em Minas Gerais, que possui limite mais alto. Nos casos de geração compartilhada (condomínios, consórcios de empresas e/ou cooperativas de pessoas reunidas em uma mesma usina), por sua vez, nunca houve isenção – exceto, novamente, solar em MG. Como ICMS sobre o consumo de energia elétrica é um custo relevante, variando de 15,8% (em RO) até 27,1% do custo de energia (RJ) segundo a ANEEL, não é difícil explicar porque GD deslanchou muito antes em Minas Gerais, líder isolado em GD com aproximadamente 20% da potência instalada nacional.

Finalmente, 5 MW (a área do Jockey Clube paulistano coberta por placas solares, suficiente para abastecer bairros residenciais inteiros) é o limite máximo permitido para a usina fazer parte do Sistema de Compensação de Créditos de Energia da REN 482. Acima desta potência efetiva, é necessário escolher um dos muitos caminhos disponíveis, o mais provável sendo o requerimento de outorga de geração de energia elétrica junto à ANEEL.

Mas não é preciso parar por aí! Em usinas solares, por exemplo, é comum a distinção entre “watts” (W, a potência instalada) e “watts-pico” (Wp, a potência em condições controladas em laboratório). Como todo sistema possui perdas e condições ideais de operação raramente ocorrem de forma natural, é comum que um sistema com o equivalente a 5 MW em módulos solares apresente potência efetiva menor que essa. Para garantir potência efetiva mais próxima do limite, na prática uma usina pode ser superdimensionada até algo próximo de 6 MWp. Desde que sua potência efetiva observe o limite REN 482 e descarte eventual geração acima disso, a usina poderá continuar sendo de GD. Tal limite é imposto pelos inversores da usina, que atuam como pontos de estrangulamento e impedem excesso de potência de passar à rede (ao custo de se desgastarem mais no processo).

Thiago Wscieklica é sócio das áreas de Geração Distribuída e Financiamento de Projetos do Tribuci Advogados, escritório especializado em Geração Distribuída e Start-ups.