Transição para fontes de energia renováveis entra de vez na pauta das empresas.

July 13, 2022 | Categoria: Energy

Por Cláudio Marques - Para o Prática ESG, de São Paulo – Jornal Valor Econômico

O aumento da busca por energia elétrica de fontes renováveis, como eólica e solar, na esteira da redução da pegada de carbono por empresas de todos os tipos e porte, não deve deixar ninguém no escuro. De acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e entidades do setor, a luz está verde para as fontes alternativas, pois um eventual descompasso abrangente entre demanda e oferta ou entre geração e transmissão não estão no radar.

“Não temos gargalos em energias renováveis”, reforça Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). “O que vemos nessa perspectiva de mudanças climáticas, de transição energética, é que o Brasil tem um ativo muito valioso em mãos. Precisa aproveitar”, acrescenta.

A CCEE, porém, admite a existência de uma “pontual” sobrecontratação de energia, resultado de uma redução da demanda nos leilões do mercado regulado, em decorrência da pandemia e do aumento da geração própria de energia por meio de fontes eólica e solar. “O cenário conjuntural de sobrecontratação não prejudicará a transição energética”, afirma Rui Altieri, presidente do CCEE. Segundo ele, o mercado regulado já não é mais o único motor de crescimento na busca por energias renováveis no país.

 

Vale lembrar que um aumento de capacidade do setor elétrico pode ocorrer em três frentes: mercado regulado, mercado livre e geração distribuída. No primeiro caso, os projetos são contratados por meio de leilões, para impulsionar o avanço de usinas de grande porte. Segundo a CCEE, nos últimos leilões de energia nova de 2021, os investimentos previstos para a construção de usinas foram de R$ 3,3 milhões para cada megawatt de capacidade, no caso da solar, e de R$ 4,2 milhões no caso das eólicas.

 

O mercado livre, por sua vez, permite que consumidores comprem energia elétrica por meio de contratos feitos livremente entre as partes. Podem participar consumidores com demanda igual ou superior a 500 KW. Já a geração distribuída ou própria é produzida pelo consumidor. Em todos eles há aumento da participação das fontes alternativas.

 

Dados oficiais mostram o avanço dessas fontes. Em 2015, a capacidade instalada de produção de energia eólica era 6,6 GW e atingiu, neste mês de julho, 21,7 GW, representando 12,7% do total. A solar foi de 0,017 GW e agora está em 5 GW, ou 2,8% do total. As usinas térmicas a biomassa passaram de 10,7 GW 2015 para 14 GW em 2021 (Veja quadro abaixo).

 

Ao mesmo tempo em que organizações constantemente divulgam a busca por energia solar ou eólica em consonância com seus objetivos de redução da pegada de carbono, na outra ponta avança a expansão da capacidade instalada. Altieri exemplifica com 241 usinas eólicas e solar já contratadas que entrarão em operação até 2026. Trarão mais de 6 GW de potência ao sistema elétrico, o equivalente a quase metade da Usina de Itaipu, cuja potência é de 14 GW.

 

Contratados em leilões realizados nos últimos anos pela CCEE e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), esses projetos exigirão investimentos de R$ 34 bilhões. “Vão entrar em funcionamento paulatinamente até 2026 e, conforme vão ficando aptas para operar, o nível de transmissão vai acompanhando esse crescimento”, afirma Altieri.

 

Mas é no mercado livre, que responde por 34% do consumo nacional, que a presença das energias renováveis se tornou mais evidente. Confirmando essa participação mais forte, o pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) Diogo Lisbona Romeiro contextualiza: “Elas são as fontes mais competitivas [em preço e escala] para expansão da energia limpa”.

 

Não quer dizer, porém, que não estejam presentes nos leilões. Naqueles realizados em 2021, foi negociado 1 GW em potência de energia eólica e solar, que será instalada ao longo dos próximos anos. As usinas participantes venderam apenas 40% do seu potencial de geração no ambiente regulado, deixando cerca de 60% da sua produção futura para comercialização no mercado livre, de acordo com a CCEE.

 

Ao mesmo tempo, a expansão da geração própria ganha fôlego por meio do sistema solar. Um exemplo está no Sítio Vai e Volta. Situado no município de Varre-sai, no noroeste fluminense, a propriedade da família de Fidelis José de Oliveira Rodolphi está finalizando a implantação de 32 painéis fotovoltaicos, com um investimento de R$ 60 mil obtidos por  meio da linha Energia Limpa, do Programa Especial de Fomento Agropecuário e Tecnológico (Agrofundo), da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do estado do Rio, de fomento a produtores, empreendedores e cooperativas. Oferece prazo máximo de quitação de 60 meses e juros anuais de 2%.

A família se dedica à produção de café, da semente à xícara, como diz o agricultor. A família planta, colhe, processa, faz a torrefação e vende o produto. A safra é de cerca de 800 sacas por ano, que dão origem às duas marcas do produto: Sítio Vai e Volta e Randolphi. E, no caso de Rodolphi, às motivações sustentáveis soma-se a busca pela redução de custos. “Vou economizar mais de 70% na conta de luz”, diz ele, sem revelar o valor.

 

Em operação há 7 anos, a Vida Veg, que se apresenta como a maior e mais moderna fábrica de leites vegetais frescos e derivados do país, recorreu ao BNDES para obter os R$ 270 mil para instalar placas fotovoltaicas no telhado da fábrica, em Lavras (MG), que atendem a 50% da demanda média de 23 mil KWH/mês da empresa. Segundo Anderson Rodrigues, sócio-fundador, a expansão solar vai continuar e no próximo ano deverá ser suficiente para suprir 100% as necessidades da empresa. Ele afirma que o investimento se pagará em cinco anos e está sendo pago com a economia decorrente da conta de luz, que não foi divulgada.

 

“O financiamento tem sido imprescindível para as pessoas acessarem essa tecnologia”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia. Segundo ele, existem mais de 100 linhas com esse objetivo. Hoje, os principais clientes no segmento são residências, pequenos negócios, produtores rurais, pequenas indústrias e prédios públicos.

A expansão da produção própria de energia solar proporcionou um marco para o setor. Em junho, segundo Sauaia, o país ultrapassou a marca de 16 GW de potência instalada, dos quais, 10,9 GW vem de as usinas de grande porte e os sistemas de geração em telhados, fachadas e pequenos terrenos.

Trata-se de um cenário construído com R$ 86,2 bilhões em  novos investimentos, que proporcionaram a arrecadação de R$ 22,8 bilhões e a geração de 479,8 mil empregos. E, ainda segundo a entidade, evitou a emissão de R$ 23,6 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade.

Enquanto o sol brilha para o segmento fotovoltaico, os ventos não são tão favoráveis ao uso caseiro ou pelos pequenos negócios de energia eólica. Segundo Elbia, da Abeeólica, uma turbina pequena tem uma restrição: “Não é possível instalar em qualquer lugar. Por isso, não há escala suficiente, porque não é qualquer vento que roda a turbina, então aí Enquanto o sol brilha para o segmento fotovoltaico, os ventos não são tão favoráveis ao uso caseiro ou pelos pequenos negócios de energia eólica. Segundo Elbia, da Abeeólica, uma turbina pequena tem uma restrição: “Não é possível instalar em qualquer lugar. Por isso, não há escala suficiente, porque não é qualquer vento que roda a turbina, então aí eu não consigo ganhar competitividade”. E acrescenta que não menospreza o minimercado, o de geração distribuída. “Mas ele é marginal diante da potência do mercado de energia”. Por tudo isso, a eólica é mais utilizada em grandes projetos.

Para fazer frente a sua alta demanda por energia elétrica e alcançar sua meta de reduzir suas emissões de carbono em 15% até 2030, nos escopos 1 e 2, a petroquímica Braskem adotou uma série de iniciativas e procedimentos. Atualmente, sua pegada de CO2 atinge 10,8 milhões de toneladas por ano, precisando, portanto, cortar 1,6 milhão de toneladas para cumprir sua meta.

Entre as iniciativas, há adoção de biomassa para gerar calor e, na área de energia elétrica, a companhia tem cinco contratos com parceiros para instalação de usinas eólica e solar que, juntas, terão capacidade para produzir 150 MW, ou 30% em média da demanda elétrica da companhia.

“Nossa estratégia é ter parceiros diferentes, com fontes diferentes, solar e eólica, em regiões diferentes para que de fato consigamos mitigar o risco da volatilidade dos ventos e do sol”, afirma o diretor de Energia da Braskem, Gustavo Checcucci.

A companhia já tem dois parques eólicos em operação: um na Bahia, feito pela EBF, e outro no Rio Grande do Norte, em conjunto com a Casa dos Ventos. Neste último, a Braskem comprou participação no empreendimento, tornando-se, assim, produtora e consumidora ao mesmo tempo.

 De acordo com Checcucci, o fato de a empresa ser um cliente âncora com contratos de 20 anos, permite que o uso das fontes alternativas tenha preços competitivos. E a expansão vai continuar. “Estamos buscando um modelo de negócios com nossos parceiros para construção de novos parques eólicos ou novas usinas solares”, informa o executivo.

Já a Whirlpool, fabricante de eletrodomésticos, está avançada no seu compromisso de adotar 100% do consumo de energia limpa e certificada com a I-REC (International Renewable Energy Certification Standard), plataforma internacional que assegura a rastreabilidade da energia (garantia de origem).

“Toda energia fornecida à companhia provém de fazendas de geração de energia renovável. As unidades de Rio Claro (SP) e Manaus (AM) utilizam 100% de energia limpa e certificada desde janeiro deste ano. Em Joinville (SC), isso ocorrerá a partir de 2024”, diz Bernardo Gallina, vice-presidente de Assuntos Jurídicos, de Compliance e Corporativos para América Latina.

 A sede, em São Paulo, recebeu a certificação em novembro de 2021 e, além de usar 100% de energia limpa e certificada, tem sensores de iluminação nas salas, recuperação de água de chuva, lâmpadas LED, zero plásticos nas áreas administrativas, biodigestor para tratar 100% dos resíduos orgânicos.

Segundo Gallina, a compra de energia limpa e certificada está conectada à agenda ESG e à meta de se tornar net zero até 2030. “Com a energia limpa, deixamos de emitir, só neste ano, cerca de 6,5 mil toneladas de CO2 no país, redução de 31% em relação a 2021 e equivalente a 43 mil árvores plantadas”.