Protecionismo na energia solar

August 07, 2013 | Categoria: Energy

Por Jeffrey Frankel

No fim de julho, chegou-se a um acordo para a maior disputa antidumping no mundo, tendo a China concordado com um preço mínimo para os painéis solares que exporta para a União Europeia. A solução é muito menos severa do que a alternativa iminente: as tarifas da UE sobre os painéis solares chineses estavam prestes a subir para 47,6%, como resultado da "conclusão" da Comissão Europeia de que a China - cuja participação de mercado está agora em 80% na Europa - constituia "dumping". Mas o acordo é um resultado ruim para os consumidores - e para o meio ambiente.A disputa China versus UE assemelha-se a outra, similar, entre a China e os EUA. No outono passado, os EUA passaram a impor tarifas de 24% a 36% contra as importações de painéis solares chineses, após o Departamento de Comércio ter concluído que a China estava praticando "dumping" - de modo geral definido como vender a um preço abaixo do custo - no mercado americano. A China, citando sua própria constatação de que os EUA estavam praticando dumping no mercado de silício policristalino - um insumo fundamental na produção de painéis solares - em seu mercado, já retaliou impondo tarifas de importação que poderão ultrapassar 50%.

Essas disputas podem soar paroquiais e esotéricas, mas estão relacionadas ao cerne do já prolongado tema da globalização. O mais poderoso argumento dos ativistas antiglobalização é que, ainda que o livre comércio seja bom para o progresso econômico mundial, poderá minar bens públicos importantes, como a proteção ambiental. De acordo com a bem conhecida hipótese do "nivelamento por baixo", assume-se que países abertos ao comércio internacional adotam regulamentos ambientais menos rigorosos do que países menos abertos.

Então, a globalização do comércio é, no geral, melhor ou pior para o meio ambiente? Alguns estudos empíricos de dados comparativos entre países detectam efeitos benéficos líquidos em termos de indicadores de degradação ambiental, como poluição atmosférica local por dióxido de enxofre. Quando os países têm instituições de governança eficazes em nível nacional, o comércio e o crescimento lhes proporcionam os meios para limpar seu ar. Mas evidências também sugerem que o comércio e o crescimento podem agravar outras formas de degradação ambiental, em especial as emissões de dióxido de carbono, porque o CO2 é uma externalidade mundial que não pode ser solucionada em nível nacional, devido ao problema dos "caronas".

O setor de energia solar é um perfeito exemplo de como o comércio pode beneficiar a qualidade do ar. Os céticos em relação à energia solar têm sustentado que sua participação na geração de eletricidade não pode elevar-se acima de alguns pontos percentuais sem enormes subsídios, porque essa geração é muito cara, em comparação com as alternativas. Seus defensores contra-argumentam dizendo que subsídios moderados temporários expandiriam o setor, e economias de escala e "aprender fazendo" então trariam os custos drasticamente para baixo.

Mas os defensores têm focado excessivamente os subsídios governamentais e muito pouco a contribuição do comércio internacional, que nos últimos anos tem produzido um efeito bastante positivo sobre o desenvolvimento de energia elétrica de origem solar, pois a abundância de painéis chineses seguraram os custos. A atual adoção de protecionismo ameaça reverter esses progressos. Com a supressão dos painéis solares baratos provenientes da China e com os subsídios que ajudaram a impulsionar a indústria européia agora reduzidos por razões fiscais, a participação da energia solar na Europa ficará muito aquém das metas dos ambientalistas.

Até mesmo as pessoas de modo geral simpáticas aos mercados e ao comércio freqüentemente têm a impressão de que as leis antidumping têm alvo "preços predatórios", uma prática segundo a qual um grande produtor vende abaixo do custo para levar seus concorrentes à falência, após o que podem aumentar os preços e colher lucros monopolistas.

Porém essa não é a maneira segundo a qual as leis antidumping são redigidas, muito menos aplicadas. As medidas antidumping, como as tarifas impostas pelos EUA e pela UE contra os painéis solares chineses, são um meio de reduzir, e não de estimular, a concorrência. Então, se a fixação de preços predatórios não é o motivo pelo qual os produtores vendem abaixo de seus custos nesses casos, qual é sua razão?

A indústria de painéis solares em todo o mundo - na China, na Europa e nos EUA - está sendo afetada por um excesso de capacidade produtiva. Em conseqüência disso, a oferta e a demanda mundiais estão equilibradas em um preço de mercado abaixo do custo médio de longo prazo por unidade, preço que embute uma parcela dos custos já incorridos na construção das fábricas. Mas esse preço de mercado não está abaixo do custo de curto prazo de manutenção do funcionamento das fábricas, após terem sido construídas.

Em outras palavras, os produtores vendem a preços "abaixo do custo", porque, após terem já construído as fábricas, eles iriam perder ainda mais dinheiro caso cobrassem acima do preço competitivo de mercado ou abandonassem inteiramente a produção. Quando os EUA ou a UE consideram que a China está praticando dumping de painéis solares, ou quando a China conclui que os EUA estão praticando dumping no caso do polissilício, esses países estão baseando-se em custos médios, e não no custo marginal. Por esse critério, ocorreria dumping toda vez que uma loja promovesse uma liquidação.

Alguns observadores compararam os acordos negociados visando limitar as exportações de painéis solares da China com as anteriores "restrições voluntárias a exportações" (VERs, em inglês) ou "acordos de comercialização coordenados" nos setores siderúrgico e de eletrônicos de consumo, especialmente aqueles que o Japão aceitou aplicar a suas exportações para os EUA na década de 1980. Mas um precedente mais revelador são os VERs japoneses sobre as exportações de automóveis durante esse período. As montadoras americanas vinham encontrando cada vez mais dificuldades para competir contra as importações de carros japoneses, menores e mais eficientes. Quando o livre comércio foi finalmente restaurado, os orçamentos das famílias americanas e a qualidade do ar nos EUA foram beneficiadas (e a indústria automobilística americana foi forçada a tornar-se mais eficiente).

O livre comércio de automóveis foi bom para o meio ambiente 30 anos atrás. O mesmo acontece hoje com o comércio de equipamentos para aproveitamento da energia solar. Os ocidentais deveriam agradecer aos produtores de painéis chineses por sua contribuição para manter a energia solar viável, e não penalizá-los por meio de medidas protecionistas antidumping. (Tradução de Sergio Blum)

Jeffrey Frankel é professor de Formação de Capital e Crescimento na Universidade de Harvard.