Os grandes desafios das empresas do setor elétrico

August 20, 2013 | Categoria: Energy

Por António Farinha e Eduardo Lemos

Mudanças recentes promoveram completa modificação no contexto de atuação de empresas do setor elétrico. Em um cenário desafiante, o setor elétrico deverá se reinventar para conseguir criar valor a seus stakeholders.

De forma mais ampla, observa-se uma mudança nos paradigmas de geração e consumo de energia, com impacto direto sobre as elétricas. De um lado, vê-se a crescente penetração de fontes renováveis e intermitentes, como as eólicas e o esperado crescimento da geração solar distribuída. De outro, tem-se uma alteração no comportamento dos consumidores de energia, buscando medidas de eficiência energética, maior qualidade no serviço prestado e se tornando cada vez mais ativos no mercado de energia, seja por meio da participação no mercado livre, ou na atuação como produtores (os chamados prosumers, produtores-consumidores). Essa combinação leva a uma necessária transformação do sistema.

No cenário macroeconômico, as perspectivas são conservadoras. Em 2012, o PIB cresceu apenas 0,9% e o mercado, que inicialmente projetava crescimento em torno de 4%, em 2013, já trabalha com expansão de apenas 2,28%, segundo o boletim Focus. Não obstante a dificuldade do país em fazer decolar sua economia, a expectativa é de alta para este ano nas taxas de juros (Selic 9,25%) e inflação (IPCA 5,75%). Este cenário impõe desafios importantes para o setor elétrico, cujo desempenho está intimamente relacionado à performance da economia.

À parte deste contexto desafiante, o setor elétrico vem passando por profunda transformação, sobretudo em função das alterações legais e regulatórias. As adequações promovidas pelo 3º CRTP e a MP nº 579 agora Lei 12.783/13 resultaram, de modo geral, em degradação da rentabilidade e do retorno sobre investimentos. Nomeadamente, a margem EBIT média do setor elétrico foi reduzida pela metade, de 30% para 15%. O setor, antes visto como um dos mais atrativos para investimento, hoje padece com séria crise de confiança, principalmente em função da possibilidade de novas mudanças regulatórias. Como resultado, as elétricas perderam 12% do seu valor de mercado nos últimos 12 meses, contra uma perda de 1,8% do IBovespa.

Assim, as empresas do setor devem buscar estratégias para se adaptar à nova realidade. No entanto, algumas particularidades devem ser consideradas e a comparação de desempenho das públicas comparado às privadas ilustra isso com clareza. Quando se fala em evolução de receitas líquidas entre 2003 e 2012, ambas tiveram desempenho similar - crescimento de 120% no período. No entanto, a rentabilidade das públicas recuou de 27% para 5%, ao passo que as empresas privadas mantiveram-se praticamente estáveis, passando de 21% para 19%. Parte desta deterioração de margem das públicas deve-se ao expressivo crescimento com custos de pessoal - que triplicou entre 2003 e 2012, frente ao aumento de uma vez e meia por parte das companhias privadas.

Players privados, em sua maioria, já passaram por programas de eficiência operacional agressivos, o que acaba por limitar o espaço para ganhos expressivos adicionais com cortes e adequações organizativas. A estratégia para essas companhias envolverá, principalmente, a introdução de novas tecnologias, diversificação e expansão.

O próximo passo de eficiência só poderá ser alcançado com a incorporação de ferramentas inovadoras que transformem a forma de realizar processos-chave, como a gestão e operação das equipes de campo, ou que permitam analisar e antecipar o comportamento dos consumidores. Análises baseadas em "Big Data" serão fundamentais para efetuar um novo passo, por exemplo, na redução de perdas. Esforços de diversificação são importantes para minimizar os impactos dos maus resultados recentes das fontes de receita tradicionais. Por sua vez, a expansão via internacionalização é uma tendência importante a ser considerada já que, atualmente, oportunidades de investimentos em projetos de fontes alternativas no Brasil apresentam taxas reais de retorno para o acionista por volta de 5%, enquanto em outros países na América Latina este número está na casa dos 10%.

Nas empresas públicas, é mandatório obter ganhos de produtividade para assegurar competitividade. Este é um caminho inevitável, uma vez que as projeções apontam para uma redução significativa das receitas. Por exemplo, na Eletrobras é estimada uma perda de R$ 8,7 bi - equivalente a 70% das receitas do ano passado. É verdade que empresas elétricas públicas têm procurado reduzir o número de colaboradores e cargos gerenciais. Eletrobras, Cemig e Copel devem desligar quase 7 mil efetivos nos próximos meses. Entretanto, é fundamental que a adequação de quadro venha acompanhada de planos completos de eficiência operacional, abrangendo a revisão de processos e da organização. Se estas premissas não forem respeitadas, as empresas vão acabar pressionando de forma insustentável empregados remanescentes, sem alcançar de forma satisfatória seus objetivos.

Há necessidade de rápida adaptação por parte das empresas. Existindo cinco grandes alavancas de criação de valor a serem trabalhadas de forma efetiva. São elas: 1) a busca, de forma inovadora, de aumento da eficiência operacional; 2) a otimização do custo de capital; 3) o crescimento não orgânico sobre ativos ineficientes; 4) a gestão da inovação para antecipação de oportunidades; e 5) o lançamento da internacionalização.

Para enfrentar estes desafios de forma holística, empresas precisam se adaptar, alavancando suas competências, adequando-se à nova realidade do setor e ao ambiente econômico e de mercado. O caminho passa pela estruturação de um planejamento estratégico, baseado em iniciativas concretas para execução, e que permita o desdobramento da nova visão para toda a organização, por meio da identificação de planos de ação, indicadores e metas realistas e alinhadas.

António Farinha é sócio-diretor

Eduardo Ferreira de Lemos é diretor da Roland Berger Strategy Consultants.