A Indústria brasileira, o mercado elétrico e o custo da energia elétrica

August 17, 2012 | Categoria: Energy

Nivalde de Castro, Roberto Brandão e Guilherme Dantas, do Gesel/UFRJ, Artigos e Entrevistas 

A diminuição da participação do setor industrial no PIB é uma tendência verificada nos países mais ricos e está diretamente associada ao processo de desenvolvimento econômico. Nestes países, as alterações nos padrões de demanda, derivada, grosso modo, do aumento da renda per capita e da maior elasticidade renda dos serviços determinaram um processo de desindustrialização, que ocorreu em paralelo ao aumento da participação relativa do setor de serviços na renda nacional e no emprego.

No caso brasileiro, a desindustrialização é um tema controverso que vem suscitando diferentes interpretações. Para muitos autores, e esta é a visão corroborada pelo Gesel-UFRJ, o Brasil passa por um processo de desindustrialização precoce porque a diminuição da participação da indústria no PIB não se deve ao aumento do nível de renda per capita. E este fenômeno pode comprometer seriamente o desenvolvimento brasileiro, pois o crescimento econômico de longo prazo tem como base e fundamentação principal os ganhos de produtividade derivados do progresso técnico. Como o setor industrial é o principal e estratégico vetor gerador de ganhos de produtividade associados à exploração de economias de escala e de aprendizado, a existência de uma ampla e densa cadeia industrial é essencial para o aumento da renda. Desta forma, a “desindustrialização precoce” mostra-se prejudicial ao desenvolvimento econômico e social de longo prazo ao impor restrições à dinâmica do progresso técnico, aos ganhos de escala e à apropriação da produtividade por toda a economia e sociedade brasileira.

Uma série de fatores pode ser apontada como causa da redução da participação relativa da indústria na economia brasileira a partir dos anos 1990. Dentre elas, merece destaque o processo de abertura comercial e financeira da economia brasileira associado à valorização cambial. Este processo fez com que a indústria brasileira se especializasse em segmentos produtivos de menor valor agregado devido à abundância de recursos naturais em detrimento de segmentos industriais com maior conteúdo tecnológico onde a produtividade e a competitividade nacional é mais baixa. Por outro lado, questões como a elevada carga tributária brasileira, custo da energia, logística deficiente, infraestrutura insuficiente e ineficiente tornam o ambiente e as condições de negócios para a indústria brasileira ainda mais difícil, inclusive para a própria indústria de bens primários. Como resultado genérico pode-se destacar a redução do adensamento das cadeias produtivas do setor industrial brasileiro.

 A revitalização do setor industrial brasileiro com o objetivo de torná-lo mais dinâmico e competitivo requer mais do que medidas paliativas. É necessária uma política industrial que estabeleça diretrizes e apresente os instrumentos necessários para que a indústria exerça seu papel de elemento indutor do desenvolvimento econômico brasileiro. Tal política deve ter como foco a estruturação e fortalecimento de cadeias produtivas integradas que culminem em produtos de maior valor agregado, de forma a propiciar o desenvolvimento tecnológico, o aumento da produtividade e a melhoria dos termos de troca dos produtos brasileiros no comercio internacional.

Devido à importância e peso crescente dos gastos com energia elétrica na estrutura de custos de inúmeros segmentos industriais, a redução do custo da energia elétrica é um instrumento em prol da promoção do setor industrial brasileiro, contribuindo como mais um vetor para a política industrial de maior adensamento das cadeias produtivas brasileiras.

Atualmente as tarifas industriais de energia elétrica no mercado regulado (ACR- Ambiente de Contratação Regulado) são muito elevadas. Uma alternativa dada pelo modelo do setor elétrico para o setor industrial é a compra de energia no mercado livre (ACL- Ambiente de Contratação Livre), onde os preços da energia são menores. O ACL é um mercado mais competitivo onde grandes consumidores (“consumidores livres”) podem adquirir energia diretamente de geradores e comercializadores, evitando custos relativos ao serviço de distribuição e obtendo com isso energia a preços menores. Porém, historicamente o mercado livre no Brasil só tem conseguido ofertar energia a preços vantajosos e em volumes expressivos em momentos de sobra conjuntural de energia como ocorreu após o racionamento de 2001 e na crise econômica de 2008-2009. Esta característica do mercado livre deter um componente de desequilíbrio estrutural restringe a oferta de contratos de longo prazo. Esta restrição tem diversas razões, destacando-se três delas.

Em primeiro lugar os geradores hídricos tendem a destinar parte de seu lastro de energia para contratos de curto prazo, como estratégia de hedge para eventuais períodos secos prolongados. A necessidade de hedge vem do fato de que em períodos de seca aguda os geradores hídricos, caso estivessem com toda a garantia física contratada, não seriam capazes de gerar energia suficiente para honrar seus contratos, sendo obrigados a honrar a diferença entre a energia contratada e a energia medida no Mercado de Curto Prazo da CCEE a um PLD muito alto. Para evitar este risco financeiro os geradores hídricos restringem a oferta de contratos de longo prazo e direcionam parte do lastro para contratos de prazos curtos.

Em segundo lugar, as distribuidoras, que são responsáveis por mais de 70% do mercado total de energia, pela regulação atual tendem a contratar mais energia no longo prazo do que sua necessidade real projetada. Isso ocorre por que há penalização para distribuidoras que tenham menos que 100% do consumo contratado ou mais que 103% do consumo contratado. Estes parâmetros levam as distribuidoras a contratar ligeiramente em excesso, o que leva, em contrapartida, a uma menor oferta de energia para o mercado livre de contratos longos.

Finalmente, o papel dos geradores térmicos no mercado livre tende a deter uma posição marginal. Termoelétricas têm dificuldade para oferecer bons contratos de longo prazo, pois em um sistema majoritariamente hidroelétrico como o brasileiro, o despacho térmico é incerto, intermitente e os preços de energia não têm correlação com os preços de combustíveis para geração térmica. É viável para um grupo com hidroelétricas e térmicas na carteira oferecer contratos de longo prazo com preço fixo para seus clientes. Mas um novo gerador terá grandes dificuldades em fazê-lo.

Em contraste com esta realidade, os grandes consumidores necessitam de previsibilidade de custos no longo prazo e não podem sujeitar-se a uma exposição massiva a contratos de prazos curtos, em especial com a recente proibição do MME (Portaria 455) para contratos ex post e obrigatoriedade de declaração de compras semanais. Como resultado deste processo e dinâmica de mercado, a autoprodução de energia vem se constituindo em uma alternativa estratégica para grandes consumidores livres. Por um lado, a autoprodução permite a segurança de suprimento no longo prazo e, por outro, evita alguns encargos (CCC, CDE e Proinfa) tornando o custo dessa alternativa economicamente atraente. Contudo, a estratégia da autoprodução requer inversões de recursos em uma atividade que não é o core-business dos consumidores livre e, portanto, representa a imobilização de capital em um negócio que visa garantir custos em certos parâmetros, em detrimento da realização de investimentos na expansão na sua atividade fim. Em momentos de abundância de capital e crescimento econômico a alternativa da autoprodução tende a não representar um problema. Mas em cenários de instabilidade do mercado de capitais e/ou de desaceleração econômica, é natural que grupos eletro intensivos desejem direcionar recursos escassos para sua atividade fim.

Diante dessa dinâmica estrutural para os grandes consumidores de energia elétrica, algumas medidas estão sendo analisadas pela área econômica do governo federal com vistas à diminuição do preço da energia elétrica não só para este segmento, mas para todos consumidores. Estas medidas estão focadas na redução de encargos e tributos, na troca do indexador dos contratos de energia, além da forma como será realizada a renovação das concessões. Este conjunto de medidas deverá alterar a competitividade relativa das opções de suprimento por parte dos grandes consumidores. No curto prazo, o impacto mais significativo deverá ser uma perda relativa de atratividade de investimentos em autoprodução devido à decisão de reduzir encargos. Se os encargos da CCC e CDE forem reduzidos ou o mais provável eliminados para todos os consumidores industriais e, não apenas para os autoprodutores, haverá uma razão a menos para escolher esta alternativa.

Desta forma, a realização de alguns ajustes no modelo do setor elétrico brasileiro poderá criar condições estruturais que permitam que o ACL venha a se constituir, efetivamente em um mercado competitivo de energia e possibilitem que as medidas de redução dos custos da energia não impliquem em uma migração dos grandes consumidores de energia para o ACR.

A decisão recente do MME de criar um índice de preços representativo do mercado livre irá contribuir para reduzir os preços (e custos) da energia elétrica. Este índice dará mais transparência e competitividade ao ACL, dado que o novo índice definirá dinamicamente um preço-teto a partir do qual serão negociados contratos com deságios em relação ao teto. Atualmente, o mecanismo de formação de preço – PLD mais ágio – é marcado pela estrutura oligopolista que tende a elevar o preço dos contratos em condições de pouca transparência que favorece quem vende.

Neste sentido, conjuntamente com o novo índice de preço seria conveniente a criação de um mercado secundário para energia contratada por consumidores no ACL. Esta é uma medida essencial para aumentar a liquidez do mercado livre e incitar o estabelecimento de contratos de maior duração a preços mais estáveis.

A transparência na formação de preços e o aumento da liquidez no mercado livre permitiria que o ACL passasse a participar de forma mais efetiva da expansão da oferta de energia do setor elétrico brasileiro, tendo em vista que atualmente esta participação ocorre de forma marginal em projetos hidroelétricos estruturantes. Dentro dos parâmetros atuais, a falta de liquidez para contratos de energia no ACL não fornece condições mínimas para que os contratos de longo prazo sirvam de lastro adequado para o financiamento pelo BNDES através da modalidade de project finance. Deve-se considerar que uma participação mais consistente do mercado livre nos leilões de energia nova é desejável e convergente para a consolidação do modelo. Em suma, o mercado livre precisa ter condições para participar e viabilizar o aumento da oferta para seu próprio abastecimento evitando a sua dependência estrutural de sobras conjunturais.

É preciso ressaltar que não se tratam de alterações nos fundamentos centrais do modelo do SEB de 2004 e na lógica operativa do sistema elétrico, que são condizentes com as características do parque gerador brasileiro. Muito menos de alterar as diretrizes básicas do modelo de comercialização brasileiro onde são transacionados certificados de energia e os consumidores precisam ter sua demanda lastreada em contratos. O argumento central é que em conjunto com as medidas de redução do custo da energia a serem implementadas pelo governo podem ser realizados ajustes no ACL, como os adotados pela Portaria 455 do MME, de forma a torná-lo mais competitivo e se constituir em um vetor a mais de redução dos preços da energia elétrica no Brasil dentro do objetivo mais amplo de dinamizar o setor industrial brasileiro.    

Nivalde de Castro é coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ. Roberto Brandão é pesquisador-sênior do Gesel/UFRJ. Guilherme Dantas é doutorando do Programa de Planejamento Energético da Coope/UFRJ e pesquisador-sênior do Gesel/UFRJ.